Centro de São Paulo, sábado com neblina — em Londrina, uma amiga me disse, chamam isso de "fog" sem vergonha nenhuma.
Andei pela região da Praça da Sé acompanhada de um Duelo rosa choque. Virar tudo de uma vez me causaria um coma alcoólico, acredito, então tomei de golinho em golinho durante o passeio.
Sabor para meninas, tutti frutti.
Entre os adictos esfarrapados dali, apenas algumas eram mulheres. Duas estavam grávidas, não sei se de amor ou de violência. Três crianças brincam com pedras que encontraram na calçada. Assim como eu, estavam de moletom.
O polícia de rosto tatuado, língua presa, algum retardo mental e mesmo assim com porte de arma e uma escopeta em punhos me falou que nada pode fazer por elas.
Má vontade, tenho certeza.
José Mojica Marins, cria histórica da Boca do Lixo, passava por ali de capa, cartola e barba aparada e se intrometeu na minha vida. "Seja mais gentil com você mesma. Vá para casa, menina", me falou.
Somos conhecidos de vista; sempre nos cruzamos por aí, na Praça da República, perto da Galeria 7 de Abril embora nunca tenhamos conversado. Ele continuou sorrindo com um semblante um tanto maníaco e lembrei da foto no panfleto do curso de detetive, ministrado por ele e que sempre tive vontade de me inscrever.
Largada na rua e na vida, sorri de volta e declamei um poema. Tinha certeza que ele iria gostar:
Alucinação Caos Cenobitas Tortura Solidão Quero caminhar Em uma cidade bonita Com a cabeça erguida Sem a vontade de com um tiro estourar
A vida não é um filme, óbvio, então nem um médico e nem um feiticeiro ele me recomendou. Também fiquei sem ouvir “parabéns, adorei!", que teria me alegrado. Não recebi nenhuma maldição, que eu acharia graça e que usaria como desculpa por qualquer tropeço na vida.
O desprezo me enfureceu, me deu vontade de pular nas costas dele e enfiar uma faca em seu pescoço. Fiquei animada com a ideia cheia de sangue, mas só até recordar que:
Quem está em delírio nem cogita que está em delírio.
Mais um gole no coquetel alcoólico teor 13,5% e consegui abrir caminho em uma grande nuvem de serração, e entrei.
Achei um papel amassado no bolso da calça, no qual eu tinha escrito que o preço de fingir que não sou doida me é muito mais alto que o preço de assumir ser louca e viver em paz com os meus semelhantes.
Normies e prisioneiros que fingem ser libertos eu quero bem longe. Eles que se divirtam com o polícia que tenta parecer rebelde mesmo lustrando as botas todos os dias no quartel.
RIP
Morreu a escritora Márcia Denser, autora do conto O Vampiro da Alameda Casa Branca (leia na íntegra aqui).
Publicado de 1986, o texto fala sobre TFP, pedantes, festinha em apartamento, trombadinhas, amor em locais impróprios, essas coisas super paulistanas. Inclusive, acho que é a história mais paulistana já feita. Tem quase 40 anos e poderia ter sido escrito ontem. Capturou a alma da cidade e da dinâmica dos que vivem aqui.
Meu deus, com toda certeza eu queria ter escrito ele.
Descanse em paz, Márcia. Foi ótimo poder ter sido rabugenta com você em poucas aulas de uma oficina que fiz anos atrás e ter dado risada da cachorra Talita.
Morte ao bom-mocismo.
As vezes ficar longe umas duas semanas já adianta...... eu recomendo
duelo rosa choque. tenho a impressão de que deve ser uma bebida radioativa.