O meu nariz torcido para aquelas que beijavam homens no show do Bikini Kill — uma das principais bandas do movimento Riot Girl — revelou ser, na verdade, inveja.
Quando dei por mim já tinha me apaixonado por um roqueiro que respeitosamente beijou minha mão e roubou meu coração no fim do evento. Foi só receber um pouquinho de amor que minhas críticas (variações de "meu deus, como podem ter vindo com macho nesse show feminista?!") sumiram.
Esse pequeno acontecimento me fez refletir sobre a linha tênue entre a crítica social e o recalque, e que nem sempre é fácil identificar o que é o quê.
A Tati Bernardi fala mal do tênis Vert (agora Veja) com grande frequência em suas colunas na Folha, sempre relacionando a marca com herdeiros paulistanos ditos progressistas mas que sustentam a tradição de ter uma babá vestida de branco criando seus rebentos.
Escreveu ela em uma crônica em 2023:
Fui chamada para ministrar dois dias de palestras presenciais –um total de seis horas da minha semana cheia e corrida– para um público que acha que faz muito pela sociedade e pelo planeta porque usa tênis Vert e camiseta A Mulher do Padre.
A ridicularização do Vert por parte da Bernardi se qualifica como crítica social foda porque ela provavelmente tem condições financeiras de comprar um par desse marcador de classe — que já está deixando o povo em fúria como você pode conferir abaixo.
Meu caso é diferente.
Só falo mal desse tênis no ouvido dos meus amigos que sabem que abomino a ideia de ter um visual similar ao de uma patricinha e/ou já me viram de Mad Rats, o tênis do skatista pobre loko. Não tenho dinheiro e nem interesse em adquirir um produto com foco na elite e, por isso mesmo, um pouco de medo de soar recalcada ao invés de punk.
Ficar quieta nos momentos certos é também um tipo de inteligência.
Há um outro tópico que me põe à prova no quesito crítica, inveja, bom gosto, ódio ou recalque: poesia contemporânea.
Alguns poemas ruins — diria que a maioria deles, uns 85% — me irritam tanto que até já me peguei pensando em enfiar um canivete enferrujado nos olhos para nunca mais conseguir ler nada do tipo.
Estou sendo uma observadora, crítica literária ou tendo um desejo reprimido de me juntar às pessoas que julgo tosquinhas? Não sei a resposta exata, embora tenha quase certeza que meu diagnóstico seja sofrer de bom gosto.
Aliás, achei esse poema que fiz ano passado…
(sem título até o momento)
Seu nome
ao lado da palavra
desgosto
Podia ter sido
menos que isso
Podia ter sido
mais entre nós
Cynar Tônica no copo
Na boca
- Você foi minha (maior)
decepção
…e agora estou com medo de ser exatamente igual às frígidas que me olham torto porque não aplaudo os versinhos sem graça que elas tanto se orgulham de declamar na Casa de Chás Margaret Thatcher (ali no Itaim Bibi).
Quero ser gênia, mas em muitos dias acabo sendo besta.
Besta talvez, mas de Vert jamais.
post scriptum 1: Amigos, desculpem o sumiço. Fui absorvida por outra dimensão, mas já retornei para a mesma que a gente divide.
ps 2: Bem-vindos todos que se inscreveram aqui após indicação da Aline Valek!
ps 3: A Aline é uma pessoa muito generosa e sou muito agradecida a ela por vários motivos. Beijo, Aline s2
ps 4: Quem não se escreveu nas news da Aline (aqui) está moscando.
Chegando agora. Gostei muito do texto (incluindo o poema).
desconhecia completamente a existência desse tênis. 😂😂😂