Enquanto eu esperava o Uber na porta do cemitério, o guarda se aproximou e disse que os espíritos dos túmulos mais antigos brigam com os dos túmulos mais novos todas as madrugadas, que eles se organizam como um tabuleiro de xadrez e se eu prestasse atenção poderia até ver faíscas dos confrontos que costumam acontecer lá pelas quatro e meia, quatro e quarenta e cinco da manhã.
Falou algumas coisas sobre a força espiritual dos bons e da energia arrepiante dos assassinos, sobre religião, de carma, de Jesus Cristo, do filho gay e contou também que liderava um ministério evangélico sei lá na onde. Dei corda na esperança de estar diante de um iluminado, mas provavelmente era apenas delírio religioso.
Sai de lá e fui para um bar beijar um verme na boca.
Verme mesmo, sem figura de linguagem. Meio que como um platelminto vesguinho do livro de Biologia do ensino médio tivesse crescido, colocado um vestido da Zara e conquistado a habilidade de pedir uma caipirinha (“é double hoje, né?”) ou como se uma tênia no formato humano tivesse aprendido a acariciar minha coxa por debaixo da mesa (“os amigos do meu ex estão ali e não podem ver”).
Se parece nojento é porque foi mesmo.
Escovei os dentes, passei fio dental, usei Listerine e lavei a boca com sabão algumas vezes desde aquela noite e ainda hoje ainda sinto um gosto de podre.
Quarta-feira, pelo menos, já confirmei o horário no dentista — de manhã bem cedinho. Vou depois da batalha dos espíritos. Se não resolver, volto para a minha tumba. Melhor. Viver com ranço é uó.
poderia ser fanfic de Duna, mas foi muito melhor 🙏
o tinder tá cada vez pior