Eu nunca conheci um único idiota que não tivesse sido efetivado após os três meses de experiência previstos pela CLT. Então, fui lá e me tornei essa pessoa.
A Mulher do RH explicou as razões para a decisão, as quais eu ignorei completamente e entrei num ciclo de perguntas absurdas para mim mesma, do tipo “será que acessei pornografia com o computador da empresa?”, “será que roubei alguma coisa do escritório sem querer?”, “será que me acharam burra?”, “será que pegou mal eu ter falado no almoço que queria bater nos irmãos Simas por serem horrorosos e ainda assim vendidos pela indústria do entretenimento como galãs?”, “será que as minhas inimigas formaram uma máfia para tornar a minha vida mais sofrida?”.
Presumo que a resposta seja “não” para cada uma dessas perguntas, mas passei mais uma semana jogada na cama formulando questões do tipo. Não lembro de ter chorado.
Na segunda semana de desemprego, arranjei uma bag térmica de comida e decidi entregar iFood de bicicleta. Queria aproveitar meu tempo totalmente livre para pedalar, conseguir uma grana e pensar o que fazer da vida.
Minha mãe ficou perplexa com a ideia.
Minhas amigas acharam que era piada nas reiteradas vezes que contei o que estava fazendo. Meus amigos, curiosamente, me incentivaram a me empenhar na aventura, digo, novo trabalho.
O valor que o iFood paga pelas entregas varia, mas pelo que me lembro fica entre R$ 3,50 e R$ 7 por pacote, com direito a bônus de incentivo aos fins de semana. Ao todo, obviamente recebi uma miséria.
Minha ideia de diversão de misturar pedal & dinheiro, aliás, acabou muito cedo. Não durei nem 15 dias na função. Além de ganhar bem menos do que eu imaginava, ser tratada com desrespeito e pressão pelo iFood foi decisivo para encerrar a experiência.
Há uma pressão por tempo e produtividade no job supostamente sem vínculos — o famoso CLT nos costumes e freelancer nos direitos. Se você, entregador, chega no local de retirada um pouco depois do estipulado pelo iFood (não conhece o caminho? o trânsito estava pesado? não sabe se entra pelo estacionamento ou pela entrada normal do restaurante? enfim, vários motivos), a entrega é cancelada e o score do entregador cai.
Ah, sim. Ter o score baixo faz com os serviços do entregador sejam preteridos, o que me fez pensar que isso é o motivo de ter tanto entregador muleque cometendo loucuras no trânsito.
Uma vez, me recusei a fazer entregas em um bairro próximo, mas que teria que pegar a Avenida do Estado ao meio dia de uma quinta-feira. Achei inviável o trajeto de bicicleta, ainda mais porque estava um clima seco e quente. A punição por considerar que não deveria por a minha vida em risco por no máximo R$ 7 foi ficar uns vinte minutos sem conseguir acessar a plataforma.
Depois, o tempo de suspensão foi duplicado porque recusei outro convite similar. Tentei contestar a decisão, mas, zero sucesso. A opção nem exisita.
Na ocasião, eu estava nos arredores do Parque da Independência, um lugar bonito e, no geral, sempre tranquilo. Fui lá descansar.
Um homem começou a se masturbar no banco ao lado do meu. Reclamei para o guarda do local, que prontamente se colocou à disposição para quebrar a cara do sujeito ("é o de camiseta cinza, né?”). Agradeci e fui para casa chorar.
ainda bem que existem pessoas como você que é capaz de transformar dor e sofrimento em um texto bem escrito. sinto muito pelo emprego, desemprego, masturbação e ifood.
Um pouco atrasado, eu sei, mas só hoje o subtrack me recomendou seu texto.
Sinto muito que tenha passado por tudo isso e acredito que esteja melhor agora!
E obrigada por dividir seu relato conosco, a realidade vivida pelo trabalhador brasileiro nessas plataformas é realmente desumana, estive acompanhando a audiência pública no STF sobre o tema e foi de partir o coração, espero de verdade que essa situação mude, mas é difícil ter esperança, mas não desistiremos de lutar por condições justas e dignas de trabalho.
Novamente, sinto muito pela sua experiência e agradeço por compartilhar.